quarta-feira, 30 de maio de 2007

Oh! Oh! Oh!


Uma semana que talvez decida um ano. Eu adoro a sensação de estar perdido, no fundo. Eu sei que gosto de uma brincadeirinha perigosa, aqui e ali, vez ou outra... Mas onde, afinal, estão as chaves? O que é que pega fogo dentro de algum lugar dentro de mim? Muitas obrigações e poucos prazeres fazem de qualquer um hedonista. Ou não? O que diria Gilberto Gil? E onde, por Deus, estarão as malditas chaves?

Talvez eu me decida um lugar gostoso. Durante uma semana, para o ano que vem.

Imagem por August Macke - Gemüsefelder, 1911

domingo, 20 de maio de 2007

“não seja”


Eu tinha dois caminhos a seguir, dentre tantos outros possíveis. Tinha comigo uma dose certa de esperança e certo excesso de humildade – esta titica que eu precisava para suportar minha própria miséria.

“Oh, mas você veio!”, entre risos e dentes e obturações escuras. “Não faz tanto tempo assim, Ana Maria”, com certo desconforto – três beijos no rosto. “Faz tempo é que estou nessa estrada”, eu disse para um “Você sempre esteve lá”.

Do que ela estava falando, eu nunca soube ao certo. Mas parecia certo.

Eu tinha algumas pedras nos sapatos e aquela parecia a hora certa de me livrar delas todas. Ou melhor, de boa parte delas. É bom ser prudente, sempre, afinal de contas, o Canzarrão estava sedento, e eu não queria encontrá-lo mais uma vez, num beco que não o meu, não queria encontrá-lo num buraco qualquer. E como, se Ana estava comigo?

“Eu lhe chamei para alertá-lo” - pois então eu estava em perigo - “Não é algo que você deva temer, mas combater”. ---- Aquilo era demais para mim. Preferia a certeza dos dentes cravados no meu pescoço à desgraça de me arrastar com uma perna dependurada por aí...

Então o gorjeio de algum bicho por detrás das cortinas felpudas, eu escutei com toda atenção. Ela me observava nesse ínterim com presteza, mas eu sentia queimar alguma coisa dentro de nós. Como se aquele fosse um momento muito importante, mas só como se fosse, porque Ana Maria era pura superficialidade. Tinha aqueles trejeitos dramáticos, sempre com o lenço preto prendendo bem os cabelos cacheados, e a cara larga toda exposta, em rugas aqui, botox ali... Não muito diferente de mim.

Era um homem calvo aos vinte e seis. Não sabia dançar e não sabia foder e não sabia ainda que seria tudo sempre igual sempre foi. Tinha, aos vinte e seis, apenas uma dose certa de esperança e certo excesso de humildade - esta titica que eu precisava para entender minha própria figura. Eu me via Ana e me via Cão, mas também me via eu mesmo, mesmo vexado, tapando o sexo medíocre quando nu para não me resfriar. Era essa figura que invita o riso e os dedos a riste, gargalhadas que me eram facadas.

Aos trinta e três minhas fotografias rodavam o mundo. Foi através do meu único auto-retrato – aos vinte e nove, com doze quilos além do peso e com um calibre 69 no rabo – foi com este auto-retrato que Ana Maria veio a mim, de volta a mim. E não importa de onde surgiu Ana, o brotar de relações assim não necessariamente têm algo de especial. A gente inventa tudo - e a gente se acostuma.

Ana veio a mim quando mil novecentos e dois mil e sete. Daquele encontro, despedimo-nos com um afago manso. Um roçar de mãos em nossos rostos e expressões calculadas para o que não fosse óbvio. Despedimo-nos assim, com aquele alerta amigo e raso --- fui-me embora assim. E nada mais aconteceu comigo.

Nada mais me ocorreu desde que Ana veio me visitar.


Imagens: Barbara Kruger