
Olhei para o alto e a observei cair na rua. Ouvi seu grito – socorro –, mas estava triste demais para dar-lhe a mão. A tristeza me faz egoísta, você sabe, e não tenho tempo para estas exclamações e as interrogações e as reticências. Eu vivo de vírgula em vírgula, medroso que sou. Não a socorri, mas a observei até o último grunhido e me emocionei pela oportunidade maravilhosa que este deus me deu de estar vivo e saudável enquanto a pobre sucumbia aos olhares todos. Senti uma pontada de alegria contida, envergonhada. Grunhi eu mesmo um riso que veio da boca do diabo e sorri olhos de malícia: os mesmos olhos seus, meu bem.
O mal dessa história vai além desta suposta indiferença minha – questionável, bem questionável. O mal está em nós e eu preciso me mudar daqui, deste beco sem saída. Vamos ser felizes em Higienópolis, amor! Compremos um belo apartamento num andar bem alto, bem alto. Sintamos o ar invadir nossas narinas com ternura, bênção destas árvores e destes pássaros e dos cachorros latindo felizes lá embaixo! Sejamos de fato indiferentes. Eu estou cansado de sentir vergonha de quem sou e destas vírgulas escorregando goela abaixo. Estou interessado nas exclamações e creio necessitar de algumas interrogações, para não pensarem que somos loucos ou sóbrios demais.
Venha me beijar, querido! Aquele canzarrão que vem desgovernado é meu destino. A pobre já não está mais ali na rua. Podemos sair e fingir que somos mais. Muito mais, agora.
Foto: Auto-Retrato
O mal dessa história vai além desta suposta indiferença minha – questionável, bem questionável. O mal está em nós e eu preciso me mudar daqui, deste beco sem saída. Vamos ser felizes em Higienópolis, amor! Compremos um belo apartamento num andar bem alto, bem alto. Sintamos o ar invadir nossas narinas com ternura, bênção destas árvores e destes pássaros e dos cachorros latindo felizes lá embaixo! Sejamos de fato indiferentes. Eu estou cansado de sentir vergonha de quem sou e destas vírgulas escorregando goela abaixo. Estou interessado nas exclamações e creio necessitar de algumas interrogações, para não pensarem que somos loucos ou sóbrios demais.
Venha me beijar, querido! Aquele canzarrão que vem desgovernado é meu destino. A pobre já não está mais ali na rua. Podemos sair e fingir que somos mais. Muito mais, agora.
Foto: Auto-Retrato