
Primeiro ele pensou que não, que não queria significado algum. Nada muito complicado, eu digo. Aí, ele se sentou em frente ao computador e pensou. Foi interrompido pela chuva. Caía uma chuva forte e um sentimento de desespero se apossou dele. É porque não tenho mãe, ele pensou. Não fazia mesmo sentido. Não relampejava, não havia trovões, mas muita água. E estava escuro, devia ser já nove horas da noite, e era uma quinta-feira. Dia qualquer, uma quinta-feira. Especialmente para quem tem todos os dias iguais. Acordado sempre às sete. No trabalho às oito. De volta para casa às dezoito. Algumas horas de televisão e de comida congelada. Sete horas de sono. E finais de semana loucos.
Um significado. Ele procurou pelo dicionário, no armário cheio de livros. A maioria já lido e relido, com anotações em letra delicada no rodapé. Tudo a lápis, para não estragar. Não encontrou o velho dicionário. Resolveu abrir a janela e observar a chuva. No escuro mal se observa a chuva. A iluminação da rua era mínima e morar no décimo andar não ajudava. Talvez fosse bom assim. Ele sentia a chuva com intensidade tão maior quando não conseguia enxergar nada! Enxergar sempre foi desanimador, na realidade. Mas ele não queria enxergar porra nenhuma àquela hora da noite. Qualquer coisa que despertasse algum sentimento, como, o sexo. Ou o adultério. Aborto? Abandono? Nada disso interessava naquele momento. Seria dolorido demais. Ademais, ele não queria pensar a respeito das vidas todas que vivia em imaginação. Deixaria a cargo de sua intuição. Fechou a janela, ligou o som. Colocou The Doors. Oh, The Doors!... Break on through to the other side?
Não, não queria ouvir The Doors. Colocou o CD da Perla.
Reabriu o Word e começou a escrever. Qualquer assunto era assunto para vidas branco-néon como a dele. Então por que não falar de amor?
Ela estava sozinha. No escritório, então. Mas por que no escritório, afinal? Não é dos lugares mais íntimos, ou é? Era exatamente esta a questão. Não era, e devia ser angustiante passar por momentos de verdadeira epifania fora da cama. E era mesmo. Mas ali, no escritório, enquanto a chuva batia forte nas vidraças, ela compreendeu. E poderia ter morrido, que partiria feliz, saudando até mesmo todas as meninas gêmeas mortas que lhe sorririam durante todo o longo caminho rumo ao seu destino. Ela não era do tipo que acreditava em Céu e em Inferno, mas acreditava em destino. Acreditava em Deus. Fazia-lhe sentido pensar fazer sentido a vida pós-túmulo, e esta era daquelas coisas incontestáveis.
Não, não estava bom. O que ele queria dizer? Apagou tudo. Mudou a fonte. Verdana, que tal? Acho que os livros – os melhores livros, evidentemente – adotam esta fonte, ele pensou. Lembrou-se de uma Clarice que lera há uns dois anos, em Verdana. Em papel novo amarelado. Sempre pensava em sorvetes de creme quando lia em papel novo amarelado. E foi aí que.
Ela sentou-se ao lado da moça de cabelos castanhos e cochichou alguma coisa. No ouvido da moça de cabelos castanhos. Aí a moça se enrijeceu toda, ergueu os ombros que quase encontraram suas orelhas e riu um riso desconfortável – desconcertante. Ela então pegou as mãos dessa mesma moça, com muita delicadeza e sorriu dois dentes de leite. Dois dentinhos de leite!
- Onde está sua irmã?
Silêncio. O sorriso havia se partido.
- Onde está sua irmãzinha, meu anjo?
O início de um choro se anunciava em alguma onomatopéia tosca de criança chorona. E ela sabia, ali, que havia encontrado algo de valor.
Havia, por Deus, de fazer sentido? Ela podia rir até se despedaçar. Não importava mais. Porque não havia sentido algum em nada nesse mundo.
Um significado. Ele procurou pelo dicionário, no armário cheio de livros. A maioria já lido e relido, com anotações em letra delicada no rodapé. Tudo a lápis, para não estragar. Não encontrou o velho dicionário. Resolveu abrir a janela e observar a chuva. No escuro mal se observa a chuva. A iluminação da rua era mínima e morar no décimo andar não ajudava. Talvez fosse bom assim. Ele sentia a chuva com intensidade tão maior quando não conseguia enxergar nada! Enxergar sempre foi desanimador, na realidade. Mas ele não queria enxergar porra nenhuma àquela hora da noite. Qualquer coisa que despertasse algum sentimento, como, o sexo. Ou o adultério. Aborto? Abandono? Nada disso interessava naquele momento. Seria dolorido demais. Ademais, ele não queria pensar a respeito das vidas todas que vivia em imaginação. Deixaria a cargo de sua intuição. Fechou a janela, ligou o som. Colocou The Doors. Oh, The Doors!... Break on through to the other side?
Não, não queria ouvir The Doors. Colocou o CD da Perla.
Reabriu o Word e começou a escrever. Qualquer assunto era assunto para vidas branco-néon como a dele. Então por que não falar de amor?
Ela estava sozinha. No escritório, então. Mas por que no escritório, afinal? Não é dos lugares mais íntimos, ou é? Era exatamente esta a questão. Não era, e devia ser angustiante passar por momentos de verdadeira epifania fora da cama. E era mesmo. Mas ali, no escritório, enquanto a chuva batia forte nas vidraças, ela compreendeu. E poderia ter morrido, que partiria feliz, saudando até mesmo todas as meninas gêmeas mortas que lhe sorririam durante todo o longo caminho rumo ao seu destino. Ela não era do tipo que acreditava em Céu e em Inferno, mas acreditava em destino. Acreditava em Deus. Fazia-lhe sentido pensar fazer sentido a vida pós-túmulo, e esta era daquelas coisas incontestáveis.
Não, não estava bom. O que ele queria dizer? Apagou tudo. Mudou a fonte. Verdana, que tal? Acho que os livros – os melhores livros, evidentemente – adotam esta fonte, ele pensou. Lembrou-se de uma Clarice que lera há uns dois anos, em Verdana. Em papel novo amarelado. Sempre pensava em sorvetes de creme quando lia em papel novo amarelado. E foi aí que.
Ela sentou-se ao lado da moça de cabelos castanhos e cochichou alguma coisa. No ouvido da moça de cabelos castanhos. Aí a moça se enrijeceu toda, ergueu os ombros que quase encontraram suas orelhas e riu um riso desconfortável – desconcertante. Ela então pegou as mãos dessa mesma moça, com muita delicadeza e sorriu dois dentes de leite. Dois dentinhos de leite!
- Onde está sua irmã?
Silêncio. O sorriso havia se partido.
- Onde está sua irmãzinha, meu anjo?
O início de um choro se anunciava em alguma onomatopéia tosca de criança chorona. E ela sabia, ali, que havia encontrado algo de valor.
Havia, por Deus, de fazer sentido? Ela podia rir até se despedaçar. Não importava mais. Porque não havia sentido algum em nada nesse mundo.
Imagem por Robert Flynt
Uau!
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